Yara Fernandes Souza: Sádica sílaba (2021)

Yara Fernandes Souza (1983) é escritora, publicou Sádica sílaba (Editora Patuá, 2021). Nasceu em Ribeirão Preto (SP), mas escolheu a Bahia como lar desde 2015. Participou das coletâneas O amor nos tempos de lonjura (Mirada Janela, 2020), Ruínas (Editora Patuá, 2020), Só a poesia salva (Editora Primata, 2020), Escritos de Quarentena (Centro Cultural do IEL, 2020) e Antologia de Poetas Vermelhos (Editora Sundermann, 2015). Comete poemas e outros conteúdos no Instagram @yara_fers



Os poemas a seguir foram selecionados da obra Sádica sílaba (Editora Patuá, 2021).



Sádica sílaba

A farpa do meu canto
na tua garganta.
Minha sílaba madrugada,
meu ácido pranto,
minha rima
na tua jugular.

Quer te chorar.



Blues


Acordo.
É tua a mordida azul
de tatuadas notas
em meu corpo. Sangro.
É meu o banzo
que chora na tua corda.
Que é de aço, mas é bamba.

Acordo
pensativa e pentatônica.
Meu acorde arranha longo o âmago.
Ecoa rouco molambo,
flor gutural.
Pede que acordes.


Felino


Ficaram expostas as substâncias.
Lambemos tudo
que permanece sobre os pelos,
quando o poema ultrapassa poros.

Lambemos
lascas de chuva borrando a janela
e o matrimônico anel de saturno.
Em ambas as línguas
nossos noturnos gomos.

Sob a asa do lençol,
a textura amniótica
do teu colo felino,
masculino útero.

Quando tua língua
secou lágrima acre
de minha pupila vertical,
devolvi
a concavidade serena
de guardar.

Em tua papila
me guardas, doce.
Em minha língua permaneces,
verso.



Picante

Beijo
tua pétala:
tulipa púrpura.

Toco
tua penugem:
tapete de pelos púbicos.

Publico
tuas impudicas taras
inter-caladas.

Perfuro
tuas pupilas.

Páprica:
meu poema
em tua papila.


Tintura


Não preciso me pintar
para que borboletas
me entendam flor.

Unhas nuas.
O lábio colorido apenas
pelo beijo.
Desprovida de laço de fita.
De rímel, rendas, riscos.

Minhas cores
próprias, únicas,
não escorrem sob a chuva.
Levo-as,
rubras,
no peito.

Kafkiana

Crisalidamente protegida,
durmo até que as cores
me explodam
e os versos voem.

Eu canto até me abrir,
desfazer o exoesqueleto.
Máscaras descartadas.
Romper a casca de quitina.

Descasco-me,
abandonando
um eu lírico, um heterônimo.
Metáforas e metonímias
em mutações genéticas.

A poesia se move,
tectônica como os continentes,
como o samba dos teus pés.

Em seu suco amniótico,
eu morro e nasço
em cada verso, cada paixão.
Sempre feto.


Primata

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