Sergio Mello nasceu em São Paulo, em 1977. É autor de No Banheiro um Espelho Trincado (Ciência do Acidente, 2004), Inimigo em Testamento (Soul Kitchen Books, 2013) e Puma (Corsário-Satã, 2018). Além de poeta, é roteirista e dramaturgo.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro Puma (Corsário-Satã, 2018).
PADARIA POLÍCIA
hora da pele
cujo entorno
é quase vegetal a manhã
muro de nata
ao planetário de traumas
diadema da íris
pé avelado
que desperta o gramado leste
entre o sumo e a gávea
FLORES DO CAMPO DA CONCENTRAÇÃO
Para Paul Celan
o melhor poema que você escreveu
não foi seu filho
será seu pai
HEMINGWAY
meu avô me falando da tarde em que parou um touro
com uma Bíblia
sem que os chifres perfurassem a capa negra
e de um homem
no exército
que de tanto temer que descobrissem sua
homossexualidade
a cada manhã sua voz se tornava mais aguda
meu avô chorando de dor
ao tentar massagear o trecho da sua perna que havia ido
pro lixo
meu avô sorrindo ao lado de um par de muletas de
segunda mão
me apontando uma prótese de plástico
como se fosse um Westley Richards cano duplo
e depois havia as terríveis noites
até que sua mão
pastoral
pousava sobre minha cabeça
a um dialeto ventoso e de vogais nulas
por anos de alcoolismo
aos meus olhos fechados Deus sempre foi um índio
até ontem
quando sonhei que encontrava meu avô e dizia
você não devia estar aí parado na calçada
porque nós te enterramos
e sorrindo ele refutava não filho
foi exatamente o contrário
A MARCO ARCHER
skatistas da verdade
profetas fedendo a lotéricos spoilers
defensores da ordem
alfabética
tapeçaria náutica
de uma realeza por W.O
orquestras de câmara de carimbos
tristes manadas
de elefantes banhando-se na música
distraídas manhãs
que irrompem das trevas
com uma estrela-do-mar incinerada no ombro
é Artaud
a estrela com sorriso de golfinho
é Artaud
a estrela que com CIRCO NOIR
a tudo etiqueta
ao afagar medulas de lã
do inflexível corpo
de baile
rumo à alma dos únicos
que a golpes
tatuaram em seu próprio reflexo
a sagital e inexpressiva máscara