Roberto Piva (1937-210) é autor da plaquete Ode a Fernando Pessoa (Massao Ohno, 1961) e dos livros Paranóia (Massao Ohno, 1963), Piazzas (Massao Ohno, 1964), Abra os olhos e diga ah! (Massao Ohno, 1975), Coxas (Feira de Poesia, 1979), 20 Poemas com Brócoli ((Massao Ohno, 1981), Quizumba (Global, 1983) e Ciclones (Nankin, 1997), reunidos em três volumes pela editora Globo, sendo o último – Estranhos Sinais de Saturno – acompanhado de poemas inéditos. Marcada pelo experimentalismo, múltiplos diálogos e alta qualidade das imagens poéticas, sua obra é uma das mais intensas da poesia brasileira contemporânea.
foto: Claudio Willer
Os poemas a seguir foram selecionados de Piazzas (Massao Ohno, 1964), segundo livro do poeta. Confira a postagem sobre o Paranóia (Massao Ohno, 1963), seu livro de estreia, neste endereço.
PIAZZA I
Uma tarde
é suficiente para ficar louco
ou ir ao Museu ver Bosch
uma tarde de inverno
onde garòfani milk-shake e Claude
obcecado com anjos
ou vastos motores que giram com
uma graça seráfica
tocar o banjo da Lembrança
sem o amor encontrado provado sonhado
& longos viveiros municipais
sem procurar compreender
imaginar
a medula sem olhos
ou pássaros virgens
aconteceu que eu revi
a simples torre mortal do Sonho
não com dedos reais & cilíndricos
Du Barry Byron Marquesa de Santos
Swift Jarry com barulho
de sinos nas minhas noite de bárbaro
os carros de fogo
os trapézios de mercúrio
suas mãos escrevendo & pescando
ninfas escatológicas
pequenos canhões do sangue & os grandes olhos abertos
para algum milagre da Sorte
PIAZZA V
Oswald Spengler tem uma
porta no seu tornozelo
& nuvens através dele
limpando a pele
que projeta
um velho cachecol marrom
em seu olho
eu penso
pelos seus
líquidos compassos de sátiro
até
um cenário de músculos
impedido de esmagar
o carvão de
vidro verde
que aquece
a estrela nua de
anteontem
Oswald Spengler tem uma porta no seu tornozelo
batendo
até
altas horas
PIAZZA VII
O equilíbrio (embora meu)
é um pouco teu como esta luz ao nível da maré
que tu divides benfeitor fascinando meu olho de fogo
justo
é a vibração impossível de domar agora na potência do
vazio celeste
dizem que urras
desmaias & tens visões
rolando sobre tua boca dilatada as auroras feitas de
Presa
PIAZZA VIII
Eu aprendi com Rimbaud
& Nietzsche os meus
toques de INFERNO
(Anjos de Freud),
sustentai-me!)
& afirmando isto
através dos quartos sem tetos
& amores azuis
eu corro até a colher de espuma fervente
driblando-me no cemitério
faminto da última FOME
com tumbas & amantes cheios de pétalas
porque o céu foi nossa última esperança
esta noite
O ROBOT PEDERASTA
Um dos ‘robots’ correra para junto da
criança & pegara nela ao colo,
acariciando-a com uma gentileza que
não parecia ser possível num ‘robot’
daquelas dimensões.
Isaac Asimov
Não vale
sair
com asas
onde
o cra cra cra cra cra cra cra
cra cra cra cra cra cra
se amassava
nas
velas apagadas
quem
quer
o telhado
de lágrimas?
beberei veneno
contra
teu temperamento
alegria que se
espera
raio X de gente que
desce do alto
porta acesa
olhar inchado no escuro
Signorine, la danza della Morte è servita
algumas ficaram
LOUCAS
HOMENAGEM AO MARQUÊS DE SADE
O Marquês de Sade vai serpenteando menstruado por
máquinas & outras vísceras
imperador sobre-humano pedalando a Ursa maior no
tórax do Oceano
onde o crocodilo vira o pescoço & acorda a flor louca
cruzando a mente num suspiro
é aéreo o intestino acústico onde ele deita com o vasto
peixe da tristeza violentando os muros de sacarina
ele se ajoelha na laje cor do Tempo com o grito das
Minervas em seus olhos
o grande cu de fogo de artifício incha este espelho de
adolescentes com uma duna em casa mão
as feridas vegetais libertam os rochedos de carne
empilhadas na Catástrofe
um menino que passava comprimiu o dorso descabelado
da mãe uivando na janela
a fragata engraxada nos caminhos da sobrancelha
calcina
o chicote de ar do Marquês de Sade
no queixo das chaminés
falta ao mundo uma partitura ardente como o hímen
dos pesadelos
os edifícios crescem para que eu possa praticar amor
nos pavimentos
o Marquês de Sade pôs fogo nos ossos dos pianistas que
rachavam como batatas
ele avança com tesouras afiadas tomando as nuvens de
assalto
ele sopra um planador na direção de um corvo agonizante
ele me dilacera & me protege contra o surdo século de
quedas abstratas