MIJADA NO CENTRO DA MADRUGADA
chove da cintura para baixo num domingo rosmaninho
em mãos, meu órgão mil vezes animal
e perfumados fetos de plantas reverberam na planura do jardim externo
como se um destilado orvalho
deslizasse pelo esmagamento dos rodapés e parapeitos
tendo o poder de embriagar-nos
a fazer inclusive
a casca azul de meus olhos abertos, fechados e então semiabertos
vagar lentamente pela família de troços espalhadas pelo chão da estante
os lápis estão moles, escovas moles, chão, botões moles
meu mister amigável mole órgão
donde no anestésico corpo
o sangue sussurra pelas veias
uma canção de ninar
tempo: para sacudir o pinto
e como é paradoxal a cama ser leve e nós pesados a esta altura
na manutenção de um informático silêncio
(que parece tud0, tud0, tud0, tud0 saber)
jurado pelo ímpar e pelo par e
raramente interrompido
(apenas nos estalos dos fantasmagóricos móveis)
tempo: cama na distância do logo ali
volta-se pianinho para o leito
na sensação abafada
de que, se pisarmos em falso
pode o leve sensor da noite a qualquer momento disparar.
UMA CIDADE NÃO NECESSITA DE PUBLICIDADE, E SIM DE LABRADORES
la bra do res, dito assim, no plural de multidões
com seus olhinhos a dizer toneladas de palavras – todas redondas –
removendo os corpos vivos ou mortos de nossa alma
simplificar-se-ia tudo
inclusive, em vez de dizer
simplificar-se-ia tudo
diríamos
tudo simp
das formas: apenas bolas
das dietas: a do osso
dos diálogos
oi
au
oi
au
vogaizinhas borboleteando a dizer tudo que já está tão dito
respeite quem já nasce de bigode
e como dizem, balança o rabo com o coração
será mesmo um magnata ou um padre a perguntar:
do que esse bando vai viver?
viveríamos de uns aos outros
mas responderíamos todos juntos no três…
oi
au
oi
au
DIÁFANO
eram seis costelas da tarde
quando dei por mirar o esqueleto dos cantos
e a branda pausa da almofada que antecipa as manhãs de domingo
trouxe-me a observar inclusive as persianas da noite pintadas em um maníaco rubor
curva que madruga, há algo instaurado pelas janelas, talvez a hora
demarcando a simetria imposta aos parques noturnos
donde os mortos espiam gravemente com suas túnicas
a confundir as anilhas cinza-pele do corpo
indaga-se que o homem comum gostaria de trocar seus dedos por trapiches
e então se isolar
em um desespero tão subterrâneo quanto a sombra vomitada pelas manhãs
a retirar todos os céus da frente, e as ressonâncias de prédios caquéticos
a retirar as largas gargantas do solo pelas lambadas das turvas ruas
e a língua vermelha das rosas jogadas pelos amantes
o vertical latido das sirenes, relógio de duelo, tinta chinesa
a restar homens tarados pela sorte
desfilando com um anjo pela cintura como bandeirantes de ouro maduro
a restar a mão essencial do cego ou uma adolescente encantada com o presidente
e corpos vestindo trajes de chumbo que estavam adoecidos no baú
formando o atônito exército das estranhezas
agora, no exaustivo agora
o jardim sonolento de uma nuvem passa pela ultratumba da terra
onde se multiplicam os desejos nos músculos de deus
e estaciona meu sapato de cristal em um chão gasto de esmolas.
UMA POSSIBILIDADE
não é louco pensar que a multidão seja homogênea
ainda que saibamos que em seu meio estão nossos
heterogêneos companheiros da noite?
esta redoma chamada planeta TERRA, apesar de suas genias, é simultânea
fantasticamente
nem digo da esteira de ocasiões como refeições e sonos
nos sombrios parênteses dos fusos
nem como é ter uma luminária completamente cristã povoando
meus segundos e livros noturnos, enquanto bamboleantes luzes solares
adubam o corpo da desconhecida multidão japonesa lá no outro lado
digo – sim – da sombria caderneta do aqui-agora
o incrível simultâneo que é:
#um peixe é pescado enquanto um pescador pesca um peixe
#um rato é mordido por um gato enquanto um gato morde um rato
não que eu seja fornecedor dos panfletos da discórdia, mas
#um marido é traído enquanto uma esposa trai o marido incrivelmente
parece, neste atlântico de possibilidades,
que um lado da gangorra sempre pende para baixo
sabe-se lá o que descobriram em futurismo agora, ou a respeito de multiverso
mas meu coração desfraldado deseja que nalgum lugar o gato morda o rato enquanto o rato foge do gato.
A VIAGEM
primeiro corra até a janela, olhe através do vidro, a cidade em fogo-luz
acanhados quartos de pontos velados, raízes de velas ao chão
o serviço da chuva em almofadinhas de vento – faz frio
penso que desastre total das concepções
isto de nos vermos nos espelhos mas nos enxergarmos nas janelas; no colégio nunca comentaram a respeito
agora vá um pouco mais, para o lado de fora da janela
psicografando os restos de brisa, as fornalhas dos condescendentes e mutantes painéis de luz; mantenha o equilíbrio, ora na constelação de janelas ora no deserto de céu
– e que tanto
como as harpias
destemidos do gélido e do fogo, iríamos chegar neste ponto, você sabe, é um convite:
pule
com sua face completamente escancarada na conjunção dos átimos de segundos,
vislumbrando a gênese e os saltimbancos letreiros, os faróis trilhados e então a coragem
te leva
até a janela daquele amigo amedrontado pela leitura dos sinais presentes
até a rua onde franciscanamente você subiu/desceu raspando o limo dos muros,
quando criança;
lembra?
seus pais batizaram-no e deram um nome: – filho
e então sua avó ganhou um pequeno deus
as portas estão abertas
volte sempre.