Renato Mazzini (1981) nasceu, vive e escreve em Santa Fé do Sul, interior de São Paulo. Trabalhou com rádio, escreveu crítica musical e foi professor de inglês. Publicou os livros de poemas “Paisagem com dentes” (Oficina Raquel, 2009), “Aqui começa a Antártida” (Patuá, 2015), “História inconclusa de la velocidad” (Zindo y Gafuri, Buenos Aires, 2016) e “O último verão de nossos inimigos” (Urutau, 2020). Teve poemas publicados em diversos veículos, impressos e virtuais no Brasil, Argentina e México.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro “O último verão de nossos inimigos” (Urutau, 2020)”.
O ÚLTIMO VERÃO DE NOSSOS INIMIGOS
Tenho uma mão boa
e essa mão desempenha bem
com uma faca
sobre troncos de árvore e sobre
meu próprio coração
Tenho um olho bom
e esse olho desempenha bem
com uma luneta
perseguindo obsessivamente
a tolice da terra firme
O GRAMOFONE
Sua voz descendo uma colina. Sua voz estirada numa espreguiçadeira ao lado de um copo de limonada sob um sol de tessitura perfeita. Sua voz dispersa num safari noturno, tochas, tambores, suor metafísico e o medo de morrer dentro de um arbusto. Sua voz despregando-se das notas do jingle de café da manhã na TV. Sua voz: um corte de legumes e palavras tão perfeito, disciplinado, precioso como só alguém irreal poderia.
SOPRO
Talvez fosse possível expandir
a permanência do verão
intervindo com medicamentos.
O céu azul limpo à maneira
das rodoviárias, medido
por sua distância horizontal,
emoldurado
por finas bordas apodrecidas.
A ÚLTIMA
O Fantasma de Uma Ideia chega,
pendura chapéu e casaco, senta-se
e me pede um copo d’água. Sirvo
também um café. Repassamos o
plano, pegamos as malas, entramos
no carro e partimos. Aceleramos
o carro, rampamos o píer, o carro
cai na água, as janelas estão abertas.