Jefferson Dias, nascido em Monte Sião, MG, vive e trabalha em Ribeirão Preto, SP. Poeta e prosador, tem poemas, contos, traduções e resenhas publicados em diversos periódicos e portais de literatura do Brasil e de Portugal. É autor dos livros de poesia Último festim (Multifoco, 2013), Silenciosa maneira (Medita, 2015) e Qualquer lugar (Editora Primata, 2020).
Os poemas a seguir foram selecionados de seu livro mais recente – Qualquer lugar (Editora Primata, 2020), disponível para aquisição neste link.
O TORNIQUETE
Pedem-me que eu seja mais claro;
Mas se o vento tão aberto – 500 km/h! –
Espanca os míticos labirintos da visão
E se o noturno útero enreda a via férrea
Por onde passa a diurna cabeça de tigre,
Por que deveria eu estrangular
A imagem – pura sanguinolência elétrica,
Já um nódulo destrutivo na retidão do corpo –,
Por que deveria eu entregar-me
A um infenso utilitarismo?
Afio minha voz criminosamente,
De modo a poder me tornar, afinal,
Uma besta impossível.
SURDEZ
Através da guilhotina
Molhei minha mão de fantasma
Na chuva das chuvas.
Minha mãe anunciou os mortos
E eu corri com os bosques pesados nos olhos.
Quantas casas deve um homem destruir
Até que se torne um menino?
Bati minha cabeça violenta
Repetidamente contra o emparedamento das veias magnéticas do poente
Até que o sangue jorrasse pelos meus ouvidos e a morte
Tocasse os meus ombros calcinados.
Não houve alfabeto inclinado na carne
Que suportasse o gume dos relógios com outras lâminas por cima.
A mulher com cabeça de hipopótamo
Trepanava o grito do jequitibá-rosa.
Através da guilhotina
Molhei minha teimosia, meus ossos de cavalo podre,
Meu desejo de cadáver andante.
(A estátua branca sorriu
E o mundo emudeceu afinal.)
ÉREBO ERETO (PARA UMA DIDÁTICA DA MORTE DO POETA)
Enforcai-me,
Enforcai-me, pois o que vos ofereço
É uma boca, o berço da boca
Com a densa luz aberta no não –
Ofereço, com os dentes altos,
O não, palavra
Refulgindo qual o espelho morto dos céus.
Ofereço minhas mãos maiúsculas calcinadas.
Meus olhos de repolhos podres de cão estelar,
Minha cabeça de ouro maciço de vagabundo leproso.
Ofereço meu pescoço canoro de pássaro plúmbeo.
Não me importarei com a forca, nem com a inumação,
Nem com os vermes, nem com a escuridão.
Não é óbvio? Não é óbvio?
Não é
Óbvio?
Restar-vos-á o rosto arruinado no mármore,
Isto é, a imagem.
CEFALÓPODE
À Bárbara
(Não houve a aniquilação das páginas do espanto.)
Passei
Pela colina dos teus lábios ensombrando por fora
As cartas, as orquídeas, a velhice:
Pura água nos espaços ardendo fundo ou artérias paradisíacas.
Então uma esfera de mênstruo e sal
Em Marte assim,
Um café nas tubas uterinas da noite.
E escrevi –
Rasguei uma nota demasiadamente pessoal:
Um oceano morreu no teu sexo.
Sei-o eu, teu texto.
De repente o cefalópode.
Quando sorvi a pérola das tuas pálpebras,
Quando cosi teu sangue, quando cozi teu nome,
Já era o tempo da imorredoura alquimia:
Tangerina áspera nas mãos apartadas.
ESPERO QUE A METÁFORA VIVA
O choro escavado do menino,
Virado do avesso qual um dedo de luva,
O choro parado na película muda,
Tarde lúbrica rachando a queimadura alta.
(Na pele lisa de uma metáfora, logo o fogo entornará a febre.)
Há um mapa que sobe
Mais veraz que a
Carne, que a pérola da voz
Quando perfaz a luminescência
Dos peixes.
(E isto não se deveria dizer.)
Um mapa
Mais voraz que
As mãos
Decepadas
De uma paixão entre ilhas,
Um mapa que