Guilherme Pavarin nasceu em São Paulo em 1987. Estudou Letras na Universidade de São Paulo, onde faz mestrado em Literatura Brasileira.
Os poemas a seguir foram selecionados do seu primeiro livro o maquinário fantasma (Urutau, 2022).
CÂMARA ESCURA
Como a luz da estrela já morta,
cada coisa caminha
para o seu contrário.
O macaco se torna jaula.
Os frutos laivam as máquinas.
E os desertos clamam
línguas e dromedários.
Por isso, me diz o espectro,
não dê ao destino tanto gosto.
Quando pensar ter em mãos
sua caveira, o mais fulcral dilema
talvez lhe ocorra
de tantas prudências
ter preterido outros opostos.
É desse espanto
(em tropeços por litorais
os crepúsculos em riste)
que entendemos cada tendão
um sustentáculo de dois
ou mais eclipses.
Por isso cante.
De todas as artes,
alguma lhe será inútil
e com sorte sua ruína.
Apenas cante, ele assobia.
Cante, cante as fraturas
dessas túnicas de ossos.
MEIO-DIA
o vapor de Cup
Noodles galinha
pelo necrotério
da Santa Casa
com panos nos olhos
um casal dorme
no ventre da sombra
de uma acácia
o sol vermelho
entre os galhos
— o rouxinol
colhe o fogo
colhe o fogo
sobrevoa os carros
FAROL DO SONO
lua oculta, novo enigma:
entre os calos das falhas
as valas das dúvidas
desacatam o agora
na forja das grutas
cubro com dorflex e saliva
a coceira de lapidar
uma nova pedra bruta
hoje não há saída:
vedam-se os vagões
o aquário das intuições
partidas, bebidas
amanhã — torço —
os trilhos estarão a postos
um farol iluminará o fosso
a bússola virá como sopro
que a noite germine o ócio
da carne, cresçam os ossos
e o impensável se torne óbvio
BEIJAR SUAS PÁLPEBRAS NO MAR
debaixo das
montanhas nuas
e o coração
como jangada
à deriva
quanto até a ilha
quanto até secar