Giselle Vianna nasceu em Campinas-SP em 1981. Formada em Direito pela USP, é mestre e doutoranda em Sociologia pela Unicamp. É autora do livro Interpeles (Editora Komedi, 2008) e organizadora do livro Tempo de Jabuticabas (Editora Pontes, 2016). Idealizou o Coletivo Ocupecompoesia, que promove ações político-poéticas na cidade de São Paulo.
foto: André Gomes de Melo
Os poemas a seguir foram selecionados do livro Interpeles (Editora Komedi, 2008).
ME
ilumina-me
pensava ele diante
do vagalume:
então o dissecava
até o caroço da morte
mas aprendi anatomia
consolava-se em pânico
diverte-me
pensava ele diante
do brinquedo eletrônico:
então o destroçava
e remontava
triunfante
ama-me
pensava ele
diante de Ana:
EPITÁFIO
nada jamais
há de tocar-
me sem
esquar
tej
ar
a
nã
o ser
talvez
a joaninha
de minha primeira infância
QUATRO SENTIDOS
para lembrar-te no ouvido
um jukebox
de tuas vozes
nos olhos algo que porte um retrato
na boca o teu
suor em conserva
teu vidro
de cheiro
em minhas plenas narinas
para lembrar-te na pele
nada:
um vidro – caco
em meus dedos
ARRANHA-CÉUS
Fosse a solidão uma cama nua
violada pelo nada-sopro
de um ventilador de teto
– não arranha-céus à distância
de uma braçada; não,
não chafarizes lado a lado
lançando-se aos ares e recolhendo
sobre si suas gotas. Fosse
o amor um abrir de braços.
Mas eis sobre meu leito a carne
e o osso de teu corpo-memória; eis –
no vão entre tábuas de madeira – o calibre
do tempo
arranhando, exasperado, o assoalho.
NÓS
sufocoazulsecretogrãoguardadoestranguladoternocaramelocegomudoaperto
todo nó é um abraço sobre si mesmo
PROCLAMAÇÃO DE SI
mais que polegares opositores
o dedo indicador apontando úteros
pra nomear o porvir
nascermos para a discrepância
de um nome prematuro
pra caber neste nome ou destroçá-lo
em tripas nossas
pudera eu nascer sem nome
e viver sem nome
e somente na morte tecer meu verdadeiro nome
em toda a sua impronúncia:
sopro do ar que passa silente
entre as cordas vocais duras
EXERCÍCIO ESPIRITUAL Nº 1
ter nas mãos
a vida de uma
cerâmica
o torno-artesão é que molda
mãos
– matéria bruta
CEMITÉRIO EM FLOR
consente
e colherei teu carinho no obituário amarelo
de anos atrás
e trançarei nos meus cabelos a geleira
de tuas mãos infladas
e aguardarei teu último esforço
de guardar na memória
meu rosto
imaculado de velhas mágoas
e estancarei nossos aparelhos reprodutores
para que a família se esgote
com suas provisões
de pão e medo
e amarrarei minhas trompas
para não me livrar de ti olhando adiante
amarrarei minhas trompas com toda a força
adentrarei
a máquina do tempo que me caiba
e esperarei que falhem também
as minhas lembranças
recebe hoje o abraço
que outrora não pude dar-te
como do foragido recebe-se
a notícia de morte
TOM AFORA
A seringa chupando o
vermelho-fosforescência
da pele pálida
Nossos corpos vivos
– pincéis de Matisse espirrando sangue
fresco
nos concretos armados cor-
-de-pele
de milhões de braços
Adoro teus tons
mesclados como
num desastre
onde cada coisa se
derrama
pra fora de seu contorno
e entorna em vísceras
suas cores
Esta faltando a parte final desse poema que segue abaixo:
“Sementes plenas
que nada esperam
guiadas pelas mãos dos ventos.”
Milton, tudo na paz? Estes versos são um outro poema inteiro e não fazem parte do “Cemitério em flor”, mas são muito lindos mesmo e bem que poderiam estar na seleção também =] Obrigado pela leitura e continuemos poetizando! Abraços