Fabiano Fernandes Garcez nasceu em 3 de abril de 1976, na cidade de São Paulo. Formou-se em Letras, é professor de língua portuguesa. É autor dos livros Poesia se é que há (2008), Diálogos que ainda restam (2010), Rastros para um testamento (2012) e Em meio ao ruídos urbanos (2016) finalista, na categoria autor do ano e poesia, do Prêmio Guarulhos de Literatura 2017 e vencedor do mesmo prêmio na categoria poesia, no ano de 2019, com Um grama, apenas, do abstrato, ainda no prelo. Além do mais novo Badaladas de uma preliminar (2020).
A seleção a seguir foi realizada a partir da obra “Badaladas de uma preliminar” (Editora Primata, 2020), que reúne poemas dos três primeiros livros do autor – “Poesia se é que há” (2008, Scortecci), “Diálogos que ainda restam” (2014, Penalux), “Rastros para um testamento” (2013, Penalux) – e mais alguns elencados em coletâneas e revistas virtuais e impressas. O livro pode ser adquirido neste link.
A POESIA QUANDO QUEIMA
Para Rubens Jardim
Traz o punho cerrado
golpeando o ar
a voz rouca
pausada, embargada
rasgando, rompendo
a tarde, a noite
no meio da avenida
ou na calçada
A poesia quando queima
ecoa potência
de uma prece
de uma luta
de uma vida
Que em todos
arde, consome ou
explode
ESCOLA
Na sala de aula:
preposição,
artigo,
substantivo
e locução adjetiva
Quarenta alunos atentos
Um só dorme
mas é o único que sonha!
EU NÃO SOU EU
Eu não sou eu, sou outro
E outro que não o outro, que não eu
Eu sou outro e outro e
outros tantos e eu
Se sou eu que é outro
o eu que sou também não sou eu
Com tantos eu, outro e outros eus,
como posso olhar algo e dizer: isso é meu?
Como pode ser meu,
se o eu que sou não sou eu?
Quando eu digo meu,
o eu pode estar se referindo ao meu que é do outro
o outro que não sou eu,
então, esse algo é seu!
Mas se sou eu e outro
o outro também sou eu
Aquilo que é seu é meu!
Eu Fabiano, Fernando, Carlos
que diferença faz, se todos os outros sou eu
Eu sou o outro e os outros
sem deixar de ser eu
sou eu e sou outro
e os outros sou eu
Mas os outros que não o outro,
que não os outros outros
que não eu, também sou eu?
SE JESUS VOLTASSE HOJE
Quem acreditaria
se Jesus voltasse hoje?
Mas, se ele voltasse
seria brasileiro
Nasceria na periferia
de São Paulo
Seria negro?
Cantaria RAP?
Sobreviveria a
Mortalidade infantil?
Exclusão social?
E a violência, sobreviveria?
Se Jesus voltasse hoje
nasceria no sertão da Paraíba
ou Pernambuco
Teria voz grave e rouca
para falar a multidão
e cantar repente
Sobreviveria a seca?
a fome?
Sobreviveria ao racismo?
Se Jesus voltasse,
hoje no Brasil
dormiria nas ruas?
Comeria de favor?
Chamaria Jesus?
Genésio, Gésio
Ou Mané, José, João
Benedito, Romão?
Precisaria ele de nome?
Seria católico?
evangélico?
Seria caótico?
Seria cristão?
Espírita?
Novamente judeu?
Seria Jesus ateu?
Acreditaria nele os Deuses?
Nessas religiões?
Seus seguidores?
Seus patrocinadores acreditariam?
Ou prefeririam acreditar
naquele de barro, louça
gesso ou madeira
que fala pela boca dos outros
Se Jesus voltasse hoje,
falaria o que já falou?
Se é que falou…
Saberia Jesus escrever?
Seria um teólogo?
Para saber sobre as religiões?
Agora dessa vez, caso
voltasse, desrespeitaria as regras
como já fez?
Se Jesus voltasse
quem acreditaria?
O Diabo?
O tentaria?
E Deus?
Acreditaria ou o abandonaria?
Se Jesus voltasse hoje
ganharia dinheiro?
Investiria?
Agradeceria suas vitórias?
Ou reclamaria suas derrotas
a um Jesus mais antigo!
Se Jesus voltasse
compraria crucifixos?
Pagaria dízimos?
Casaria? Na igreja?
Se Jesus voltasse
nasceria brasileiro
Você acreditaria?
Ou o condenaria?
Será que já não nasceu?