Claudio Daniel, pseudônimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, é poeta, romancista e professor de literatura. Nasceu em 1962, na cidade de São Paulo (SP). Cursou o mestrado e o doutorado em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). Realizou o pós-doutoramento em Teoria Literária pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi diretor adjunto da Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, curador de Literatura no Centro Cultural São Paulo e colunista da revista CULT. Atualmente, Claudio Daniel é editor da revista eletrônica de poesia e artes Zunái, do blog Cantar a Pele de Lontra (http://cantarapeledelontra.blogspot.com) e ministra aulas online de criação literária no Laboratório de Criação Poética, curso realizado à distância, via internet. Publicou diversos livros de poesia, ensaio e ficção, entre eles Cadernos bestiais: breviário da tragédia brasileira, Portão 7 e Marabô Obatalá, todos de poesia, o livro de contos Romanceiro de Dona Virgo e o romance Mojubá.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro Sete olhos & outros poemas (Córrego, 2022).
CONVERSA SOBRE O BRASIL COM UM POETA CHINÊS
País tão sombrio –
como um arco-íris
negro;
como um cão
negro
e outros cães,
todos negros;
luz negra,
jade negro, pele negra,
sangue negro,
soldados
brancos e negros
que matam
negros,
uma, duas, três,
até oitenta vezes;
palavras escuras
secam na boca,
costurada;
nenhum pensamento
é possível
aqui,
só o telejornal
zumbi;
Em qual língua
é possível
expressar
este açougue
de carne humana?
Este é o relógio
do medo,
estes são os dez dedos
do medo
Há sobreviventes?
Uma palavra cai, duas,
três palavras, numa tigela
vazia.
Um rato é o nosso rei.
Relâmpago ilumina
flor mínima, no caminho
das antiflores.
2019
QUARTO OLHO
Para Scheila Sodré
À beira
do arco-íris
de possibilidades,
leão amarelo
desfolha
lua nova;
vento verde
assopra
dentes-de-leão.
A língua
da meia-noite
se enrosca
nos dedos
do meio-dia;
teus olhos-
lakhsmi
encontram
meus lábios-
yamuna.
Um sol bruxo
sobre girassóis;
centopeias
piscam pálpebras
num átimo
de segundo.
Flor-esmeralda
adorna
teu cabelo.
E até o fim
do mundo,
no asperamente
da civilização
em ruínas,
meu braço
em tua cintura.
2021
2019
Caminho
de um escuro
a outra treva
no esqueleto da noite.
Palavras são corvos invisíveis.
Tudo é silêncio
num tempo de desaparições.
Apenas no mercado negro
da memória
revisito as cenas
da triste comédia.
O relógio é mudo
as horas abolidas.
Vem, cavalo negro
da insanidade.
Borra o mapa de mim mesmo.
Listas negras
silêncio imposto
execuções nos campos
execuções nas ruas.
Jornais mentem como juízes.
Esta é a rosa dos corvos
Bao Dei, Bao Dei.
Este é o reflexo sujo
da faca nas águas do rio.
Que venham os carrascos.
Que venham os açougueiros.
Nunca deixarei de rebelar-me
nem que seja neste poema
pesado como um navio.
Nunca deixarei de amar o meu amor.
Nesta noite imensa como um sanatório
soldados removem seus rostos
e mostram-se nadas de nada.
2019