Claudinei Vieira é autor de Desconcerto (contos, selo Demônio Negro, 2008), Yũrei, Caberê (poesia, editora Patuá, 2015), Olá, pequeno monstro do dia (poesia, editora Benfazeja, 2016), além de participação em várias antologias de contos e poesia. Organiza os Desconcertos de Poesia, em São Paulo.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro Olá, pequeno monstro do dia (Benfazeja, 2016).
e se me fico assim
nessa espera doída de um abraço seu
dos que me acalentam
à borda do furacão
ou nessa angústia covarde
de que a ponta dos ossos de suas asas
arranhem minha alma já avariada
neste aguardo ansioso de sua língua fervente
a lamber meu corpo a me acalmar o sono
ou o medo pavor de que o bifurcado escaldante
queime arranque minha pele
e se me fico assim
com essas esperanças cegas
a me preparar para o pulo
PONTA DAS ASAS
há esse leão, companheiro,
dentro do peito
do tamanho da poesia
de Rubens Jardim
ruge
reverbera
estronda em peitos afora, companheiro
sentidos afora
universos afora
não tão poderosos
não tão grandes
quanto o tamanho da poesia
dentro do peito
de Rubens Jardim
O LEÃO NO PEITO DE RUBENS JARDIM
um estado de consciência,
um meio termo de quase verdade,
um meio tempo perdido
entre dobras de lençóis frias
um meio caminho, uma esquina
entre a solidão
e a calma
e a cama
e a alma
e a ponta
de um abismo qualquer
QUASE DOBRAS
vivíamos com espelhos partidos
corações de vidro moído
nos machucávamos
nos esquecíamos
o beijo como uma ferida forçada
o orgasmo como mais um falso
fingíamos o sangue como batom
NÓS, ASSIM COMO ESPELHOS QUEBRADOS
olá, pequeno monstro do dia
que cresceu durante a noite e o coração
com suas garras de cotidiano e esmagamento
com sua fileira de dentes reais
olá, pequeno monstro do dia
com sua chuva de arrependimentos
com sua bolsa de horrores aberta
e cada pequeno verme saído da bolsa
com seus próprios dentes reais
cotidianos recorrentes comuns
sangrantes
a roer nossos pescoços duros
a cada passo nosso
a cada respirada nossa
a cada desejo remontado
olá, pequeno monstro do dia
que não se esconde em vielas
e não tem vergonha de se expor
que não se refugia na escuridão
[ não precisa mais se esconder nas sombras ]
até se orgulha de mostrar a língua podre
o sexo podre a mão podre o gozo podre
olá, pequeno monstro do dia
a nos mastigar o fígado
o sexo a mão o gozo
e ainda exige que sejamos
(ou digamos que somos) felizes
completos
maduros
adultos
ou humanos
pois sabe, e como sabe!,
que somos nós mesmos
que o criamos e cuidamos e alimentamos
pois sabe, e como sabe!, e como sabemos!,
que nunca seremos felizes completos
maduros
adultos
ou, simplesmente, humanos
olá, Pequeno Monstro do Dia
olá
OLÁ, PEQUENO MONSTRO DO DIA
Maravilhoso! Uma escrita delicada e envolvente, impossível não sorrir em cada verso. Magnífico, parabéns!!