Clara Baccarin é poeta do interior paulista. Formada em Letras e mestre em Estudos Literários pela Unesp, publicou os livros: Castelos Tropicais (romance, Editora Chiado), Instruções para Lavar a Alma (poesia, publicação independente), Vibração e Descompasso (crônicas, Editora Laranja Original). Seu livro Instruções para Lavar a Alma recebeu o Prêmio Guarulhos de Literatura 2017. Em maio de 2019, lançou seu segundo livro de poemas, Vísceras (Editora Patuá), contemplado com o edital de poesia do ProaC. Site: www.clarabaccarin.com
Os poemas a seguir foram selecionados do livro Vísceras (Editora Patuá, 2019).
Amanhã meu corpo dói
se não é de danças e de bênçãos
que eu o cubro
Amanhã as ondas devolvem
o que sem sentir com o dentro
eu mergulhei
Amanhã o coração regurgita
onde eu pisei
sem caber todo o meu ser
vigésima quarta
na terceira vez que te vi
não entendi
o que eu estava fazendo ali
fiquei sem intenção
pousando o peso
dos meus ombros
nas suas mãos
na sexta vez que te vi
eu quis fugir
quis abrir a porta
para você sair
não queria que você
chegasse muito perto
e deixasse o peso da sua perna
encontrando encaixe
no arco do meu quadril
na décima oitava vez que te vi
me abri
para os seus oceanos
extravasarem
em minha carne
sedenta
absorvi a voracidade
da sua vontade
antiga
na vigésima quarta vez que te vi
rompi os mundos e
entendi
tenho falado com paredes brancas
gastado meus gritos em inabaláveis alvuras
tenho sangrado em telas sem acolhida
que vertem meu sangue em borras de café
esmaecidas
sou uma artéria aberta pulsando
em corações cegos
indiferentes a abalos sísmicos
muros fundidos em ferros e ferrugens
impermeáveis às fortes ondas
protegidos dos desmoronamentos
no doloroso silêncio de suas
velhas âncoras
sem razão
devagar
o húmus novo foi compondo o chão
os pés de arruda se esparramando
sorridentes pelos raios solares
o manjericão virando arbusto
o hibisco brotando as folhas novas
depois que as formigas vermelhas
foram mortas
– era necessário
calá-las
para mudar a paisagem dos sonhos
e para deixar manifestar as sutilezas
dos que não têm voz
devagar e enfim
o canteiro vingou
por causa das mãos
agora disponíveis para cuidar
o peito respirou profundo
os ares da infância
o corpo reaprendeu a brincar
sem os jogos da mente
a lua encheu aliviada
o céu aumentou de azul
e o coração soube
repousar