Guilherme Zarvos atualmente vive em Maricá (RJ) e é autor dos livros Beijo na poeira (Pós-diluviana, 1990), Nacos de carne (Francisco Alves, 1992), Ensaio do povo novo (Francisco Alves, 1995), Mais tragédia burguesa (7Letras, 1998), Morrer (Azougue, 2002), Zombar (Francisco Alves, 2004), Branco sobre branco (Ateliê editorial, 2009), Lições educacionais para Tintum (Nonoar, 2012) e Olho de lince (Circuito, 2015). Nos anos 1980, foi assistente de Darcy Ribeiro na elaboração dos CIEPs. Em 1989, junto com Chacal, criou o evento Terças Poéticas e em 1990 o CEP 20.000 (Centro de Experimentações Poéticas 20.000) que já existe a mais de um quarto de século.
Os poemas a seguir foram selecionados a partir da coleção Antologia postal, belo e importante projeto da editora Azougue, em parceria com a Cozinha Experimental, que publica mensalmente, por assinatura, grandes poetas brasileiros contemporâneos.
HENRIQUE
Ele era branco. A camada de tinta sobre a tela.
A primeira segunda cama-
das de tinta brancas sobre a tela. Intacta.
Ele era branco. O rosto pretensiosamente
masculino. Francês pernas finas com mús-
culos de corrida. O short e a camisa brancos.
Olhei me olhou. Tantas vezes. O número
que supera desculpe-me, ou você está me
olhando porquê. Ele era francês perdido no
vagão do metrô. Eu sou do Rio. Cada um
media a liberdade e o espaço. Foram poucas
palavras. Não era de palavras. Sem retórica. Eu
não falo francês. Seu olhar pretensioso aborrecia-me.
O corpo muito belo. Quase todos os machos sabem
que os rapazes atraem certos homens. Poucos
são inocentes. As mães nunca são inocentes. Os
pais raramente são inocentes. Os adultos poucas
vezes não sabem que rapazes atraem muitos
homens. Isso é repugnante! Os homens riem dos
homens que deixam transparecer atração por rapazes.
O francês era belo. O buço do francês era belo.
Os poucos pelos da coxa do francês de pernas finas
e musculosas eram belos. Ele me olhava. Olhava
para ele.
Deitou na minha cama sem palavras. Seu
corpo era magro e musculoso. Entumecido o
membro era pequeno. aparentava fragilidade. En-
volto em pelos finos como seu cabelo seus ombros
seus músculos. Branco foi a imagem que
restou. O ventre branco espargido de esperma
que escorria ou gotejava aqui acolá – o quadro
final: o silêncio do branco e o cheiro de homem
que enjoa ou agrada a muitos homens – quadro
insólito. O francês vestiu a camiseta e o calção
brancos e apertou minha mão. Saiu em silêncio e
o cheiro que impregnava foi pela janela. Como são
brancas as nuvens!