Leitura de Ana Rüsche no evento Desconcertos de poesia, organizado por Claudinei Vieira no Patuscada – Livraria, bar & café, dia 19/07/2016.
NUM QUANDO
a cirurgia foi um after hours, mas estou
acostumada a ir dormir tarde
acho que os médicos também, tão animados
fui sim até o centro cirúrgico bem acordada e
fiquei acordada, sinto a hack entrando
entrando…
ainda ao longe, bem corajosinha, uma conversa
sobre qualquer coisa, luzes nos olhos
para que me sinta bem iluminada, bem disposta
de súbito lembro que não fiz depilação, e isso me
envergonha mortalmente
seria tudo filmado e colocado no youtube da
faculdade de medicina, ririam de mim
mas tenho de explicar – foi de urgência a
cirurgia, não houve tempo
nunca há tempo para nada nessas terras, apenas
para ficar ali, suspensa
e, afinal, não tenho namorado, foi uma urgência,
acontece
no início me estacionaram com o carro-maca ao
lado de um cara paciente também
podíamos até começar ali um romance,
lembro de ter desejado ao final “boa sorte, moça”
e isso acabou já com tudo, que bobo
ele morria de medo, ia retirar uma pedra do rim e
não se rendia a dormir
eu logo disse, ah, comigo também pensaram que
era cálculo renal, pela dor,
mas depois viram que era uma laranja na
barriga que eu tinha…
de súbito lembro que removeram o cara paciente
com seu carro-maca e com seu medo
e fiquei pensando num poema do zukofsky, sobre
uma laranja e o sol e a letra a
e estava já chorando, desesperada por estar sozinha
e confundindo os poemas, estar tão sozinha,
e a dor, bem, isso é com as mulheres