Orides Fontela: Transposição (1969)

Orides Fontela, uma das mais importantes poetas contemporâneas brasileiras, nasceu em São João da Boa Vista (SP) no ano de 1940 e faleceu em Campos de Jordão (SP) em 1998. Mudou-se em 1967 para a capital paulista, onde cursou filosofia na Universidade de São Paulo. É autora dos livros de poesia Transposição (Instituto de Espanhol da USP, 1969), Helianto (Duas Cidades, 1973), Alba (Roswitha Kempf, 1983), Rosácea (Roswitha Kempf, 1986) e  Teia (Marco Zero, 1996). Sua obra foi reunida em 2015 pela editora Hedra, acrescida de poemas inéditos.

 


foto: Inêz Guerreiro

 

Os poemas a seguir foram selecionados do seu primeiro livro Transposição (Instituto de Espanhol da USP, 1969), cuja edição foi coorganizada por Davi Arrigucci Jr., amigo e conterrâneo da autora.

 

 

 

ARABESCO

 

A geometria em mosaico
cria o texto labirinto
intrincadíssimos caminhos
complexidades nítidas.

A geometria em florido
plano de minúcias vivas
a geometria toda em fuga
e o texto como em primavera.

A ordem transpondo-se em beleza
além dos planos no infinito
e o texto pleno indecifrado
em mosaico flor ardendo.

O caos domado em plenitude
                                                 a primavera.

 

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Greta Benitez: Canção Antiqüe (2013)

Greta Benitez, autora do livro Canção Antiqüe, nasceu em Curitiba, no ano de 1971. Cresceu abençoada por intensos invernos, o que a fortaleceu para procurar o encontro com as palavras. Lançou Rosas Embutidas (Edição do Autor, 1999) e Café Expresso Blackbird (Landy, 2006). Foi publicada em revistas como Oroboro, Et Cetera e Continuum (Itaú Cultural). Também está em edições eletrônicas como Zunái, Germina e Escritoras Suicidas. Recebeu diversos prêmios em vários estados do Brasil e participa da antologia Todo Começo é Involuntário – A poesia brasileira no início do século 21 (Lumme, 2010), organizada por Claudio Daniel.

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro Canção Antiqüe (Patuá, 2013).

 

 

89

 

Sou tão velha que meus amantes já são nomes de ruas
Sou tão velha que minhas vontades já estão nuas
Sou tão velha que minhas verdades já são as suas.

Eu sou do tempo em que se fumava no cinema.

Sou tão velha que minha voz agora é boa para ler um poema.

Sou livre:
Posso fazer o que quiser que ninguém liga.

Parte de mim
Mora numa foto antiga.

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Roberto Piva: Paranóia (1963)

Roberto Piva (1937-210) é autor da plaquete Ode a Fernando Pessoa (Massao Ohno, 1961) e dos livros Paranóia (Massao Ohno, 1963), Piazzas (Massao Ohno, 1964), Abra os olhos e diga ah! (Massao Ohno, 1975), Coxas (Feira de Poesia, 1979), 20 Poemas com Brócoli ((Massao Ohno, 1981), Quizumba (Global, 1983) e Ciclones (Nankin, 1997), reunidos em três volumes pela editora Globo, sendo o último – Estranhos Sinais de Saturno – acompanhado de poemas inéditos. Marcada pelo experimentalismo, múltiplos diálogos e alta qualidade das imagens poéticas, sua obra é uma das mais intensas da poesia brasileira contemporânea.

 


foto: Wesley Duke Lee

 

Os poemas a seguir foram selecionados de Paranóia (Massao Ohno, 1963), seu livro de estreia.

 

 
 
 

PARANÓIA EM ASTRAKAN

 

Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
         onde anjos surdos percorrem as madrugas e tingindo seus olhos com
                  lágrimas invulneráveis
         onde crianças católicas oferecem limões aos pequenos paquidermes
                  que saem escondidos das tocas
         onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
                  estéreis e incendeiam internatos
          onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
                  a descarga sobre o mundo
          onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
                  no seu hálito
          onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
                  última janela
          onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
                  branco
          onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
                  escurecendo a página
          onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorroidas
                  das beatas
          onde as cartas reclamam drinks de emergência para lindos tornozelos
                  arranhados
          onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
                  penas
          onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
                  imaginação

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Casé Lontra Marques

Casé Lontra Marques nasceu em 1985. Mora em Vitória (ES). Publicou Movo as mãos queimadas sob a água, Saber o sol do esquecimento e Mares inacabados, entre outros. Reúne o que escreve em caselontramarques.blogspot.com.br.

 

 

 
Respiração extática

 

 

— A — CORPO DE CONTENÇÕES:

 
 

Não me afasto da sua fala,
do sulco
na safra da sua fala

(enquanto
resisto ao emparedamento)

encontro
na sua voz uma vibração
longínqua
mas luminosamente tensa:

uma
vibração indecisa

sobretudo
quando adversa:

como conviver
com
a velhice — a minha velhice —

que
não quero decrépita?

cauterizar
as feridas que catalisam

a fossilização

(contra os rumores
de
seus remorsos)

repudiar
as pedras com que preenchemos

a boca
eliminando

as cinzas
de
nossa subsistência?

 
 
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Lilian Aquino: daqui (2017)

Lilian Aquino nasceu em São Paulo em 1979. É autora de Pequenos afazeres domésticos (Patuá, 2011) e Daqui (Patuá, 2017, Bolsa ProAC de criação literária).

 


foto: Diego Jock

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro Daqui (Patuá, 2017).
 

 
PREMEDITADO
 
 
Saí de casa adulta
pra morar na rua
quer dizer
não exatamente na rua
asfalto ou calçada
Moro no telhado

Eu, os gatos, o violinista
nessa inclinação boa
acima do edifício
Aqui, nada de sonhar
e a água escoa

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