Carlos Drummond de Andrade: José (1942)

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira em 1902 e faleceu em 1987 no Rio de Janeiro. Escreveu, dentre muitos outros, os livros de poesia Alguma Poesia (edições Pindorama, 1930), Sentimento do mundo (Pongetti, 1940), A Rosa do Povo (José Olympio, 1945), Claro Enigma (José Olympio, 1951) e Boitempo (Sabiá, 1968). É um dos mais influentes poetas brasileiros do século XX.

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados do seu quarto livro de poesia José, publicado pela primeira vez na compilação Poesias (José Olympio, 1942). Confira as postagens de suas outras obras neste endereço.

 

 

 

JOSÉ
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…

Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

 

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Carlos Drummond de Andrade: Sentimento do mundo (1940)

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira em 1902 e faleceu em 1987 no Rio de Janeiro. Escreveu, dentre muitos outros, os livros de poesia Alguma Poesia (edições Pindorama, 1930), Sentimento do mundo (Pongetti, 1940), A Rosa do Povo (José Olympio, 1945), Claro Enigma (José Olympio, 1951) e Boitempo (Sabiá, 1968). É um dos mais influentes poetas brasileiros do século XX.

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados do seu terceiro livro Sentimento do mundo (Pongetti, 1940). Confira as postagens de suas outras obras neste endereço.

 

 

 

SENTIMENTO DO MUNDO

 

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.

 

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Carlos Drummond de Andrade: Brejo das almas (1934)

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira em 1902 e faleceu em 1987 no Rio de Janeiro. Escreveu, dentre muitos outros, os livros de poesia Alguma Poesia (edições Pindorama, 1930), Sentimento do mundo (Pongetti, 1940), A Rosa do Povo (José Olympio, 1945), Claro Enigma (José Olympio, 1951) e Boitempo (Sabiá, 1968). É um dos mais influentes poetas brasileiros do século XX.

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados do seu segundo livro Brejo das almas (Os amigos do livro, 1934). Confira as postagens de suas outras obras neste endereço.

 

 

AURORA

 

O poeta ia bêbado no bonde.
O dia nascia atrás dos quintais.
As pensões alegres dormiam tristíssimas.
As casas também iam bêbadas.

Tudo era irreparável.
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada)
Que o mundo ia acabar às 7 e 45.
Últimos pensamentos! últimos telegramas!
José, que colocava pronomes,
Helena, que amava os homens,
Sebastião, que se arruinava,
Artur, que não dizia nada,
embarcam para a eternidade.

O poeta está bêbado, mas
escuta um apelo na aurora:
Vamos todos dançar
entre o bonde e a árvore?

Entre o bonde e a árvore
dançai, meus irmãos!
Embora sem música
dançai, meus irmãos!
Os filhos estão nascendo
com tamanha espontaneidade.
Como é maravilhoso o amor
(o amor e outros produtos).
Dançai meus irmãos!
A morte virá depois
como um sacramento.

 

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Lia Macruz: Andrômeda sob os pés (2017)

Lia Macruz nasceu e reside em Assis, interior de SP. Alma de caipira cósmica e essência azul estelar com terra vermelha.


foto: Carmem Portilho

 

Os poemas a seguir foram selecionados de seu primeiro livro: Andrômeda sob os pés (Editora Primata, 2017), disponível para compra neste endereço.

 

 

 

[    ]

 

eu
esse lugar de passagem
essa via transitória
de quem chega e de quem vai
eu
uma bifurcação que habito
num lapso de tempo
meu limite acrônico
meu concomitante desvanecer
eu a derreter o meu próprio espectador
eu, um não-lugar.

 

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Carlos Drummond de Andrade: Alguma Poesia (1930)

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira em 1902 e faleceu em 1987 no Rio de Janeiro. Escreveu, dentre muitos outros, os livros de poesia Alguma Poesia (edições Pindorama, 1930), Sentimento do mundo (Pongetti, 1940), A Rosa do Povo (José Olympio, 1945), Claro Enigma (José Olympio, 1951) e Boitempo (Sabiá, 1968). É um dos mais influentes poetas brasileiros do século XX.

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados do seu livro de estreia Alguma Poesia (edições Pindorama, 1930).

 

 

POEMA DE SETE FACES

 

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
 
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
 
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
 
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
 
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
 
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
 
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

 

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