Murilo Mendes, nasceu em Juiz de Fora em 1901 e faleceu em Lisboa em 1975. Um dos grandes poetas do século XX, bebeu de fontes distintas como a proposta modernista brasileira, o catolicismo, o cubismo, o surrealismo e o concretismo. Sua vasta produção artística inclui os livros de poesia: Poemas (1930), Bumba-meu-poeta (1930), História do Brasil (1933), Tempo e eternidade – com Jorge de Lima (1935), A poesia em pânico (1937), O Visionário (1941), As metamorfoses (1944), Mundo enigma (1945), Poesia liberdade (1947), Contemplação de Ouro Preto (1954), Tempo espanhol (1959), Siciliana (1959), e Convergência (1970).
Realizaremos a retrospectiva de sua trajetória poética numa série de publicações. Confira todas neste link. Hoje, seguem alguns poemas da obra A poesia em pânico (1937).
IGREJA MULHER
A igreja toda em curvas avança para mim,
Enlaçando-me com ternura – mas quer me asfixiar.
Com um braço me indica o seio e o paraíso,
Com outro braço me convoca para o inferno.
Ela segura o Livro, ordena e fala:
Suas palavras são chicotadas para mim, rebelde.
Minha preguiça é maior que toda a caridade.
Ela ameaça me vomitar de sua boca,
Respira incenso pelas narinas.
Sete gládios sete pecados mortais traspassam seu coração.
Arranca do coração os sete gládios
E me envolve cantando a queixa que vem do Eterno,
Auxiliado pela voz do órgão, dos sinos e pelo coro dos desconsolados.
Ela me insinua a história de algumas suas grandes filhas
Impuras antes de subirem para os altares.
Aponta-me a mãe de seu Criador, Musa das musas,
Acusando-me porque exaltei acima dela a mutável Berenice.
A igreja toda em curvas
Quer me incendiar com o fogo dos candelabros.
Não posso sair da igreja nem lutar com ela que um dia me absorverá
Na sua ternura totalitária e cruel.