Roberto Piva: Coxas (1979)

Roberto Piva (1937-210) é autor da plaquete Ode a Fernando Pessoa (Massao Ohno, 1961) e dos livros Paranóia (Massao Ohno, 1963), Piazzas (Massao Ohno, 1964), Abra os olhos e diga ah! (Massao Ohno, 1975), Coxas (Feira de Poesia, 1979), 20 Poemas com Brócoli ((Massao Ohno, 1981), Quizumba (Global, 1983) e Ciclones (Nankin, 1997), reunidos em três volumes pela editora Globo, sendo o último – Estranhos Sinais de Saturno – acompanhado de poemas inéditos. Marcada pelo experimentalismo, múltiplos diálogos e alta qualidade das imagens poéticas, sua obra é uma das mais intensas da poesia brasileira contemporânea.




Os poemas a seguir foram selecionados de Coxas (Feira de Poesia, 1979, quarto livro do poeta. Confira as postagems sobre suas outras obras neste endereço.




SBORNIA FILAMENTOSA


O pitecantropus as cidades gregas as doces cobaias
requentadas & comidas nas favelas o divã da histeria
relembrando sonhos tribais fuxico do chefe sandálias
desafiveladas na casa das máquinas o prédio é de Maria-
Mole onde roncam cascavéis humanas minha mão é deus
passo decisivo para el tránsito del mono al hombre
miniatura da linguagem ruborizada Macunaíma-Pop
aventais de luxo balançam nos varais de Cobra Norato
Panis angelicus você sabia que Simão o Caolho vem para
jantar? por que não o bispo de Berlim? a cicuta é grátis o
corvo nada entende de política o jaburu come picadinho &
tira a bengala do ar igapós sonham com coalhada a menina
ficou atrapalhada na casa das máquinas tenebroso
impeachment do caos Engels de turbante & su Dialectica de
la Naturaleza (que Polén leu chapado nas montanhas de
Atibaia) cantando um agente da CIA de chuteiras
cidades de metal precário um quimono para o Príncipe das
Trevas dos ovos saltaram duas anãs obscenas que acenaram
lenços alaranjados & partiram para sempre em direção à
curva de nível. Deus é quimbandeiro.




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Glauco Mattoso: Graphophobia (2018)

Glauco Mattoso, academicamente estudado como um caso “queer” de poeta satyrico e fescennino, é auctor de mais de cinco mil sonnettos e mais de cincoenta livros de poesia, alem de ficção e ensaio, de um tractado de versificação e de um diccionario orthographico, este systematizando sua reacção esthetica às reformas cacophoneticas soffridas pelo portuguez escripto. Paulistano de 1951, perdeu a visão nos annos 1990 devido a um glaucoma congenito que lhe ensejou o pseudonymo litterario. Sua producção mais volumosa occorre apoz a cegueira, graças a um computador fallante.




Os poemas a seguir foram selecionados do livro Graphophobia (Patuá, 2018).




BATHOPHOBIA


A cegueira nos illude:
mesmo em casa, me appavora,
não havendo quem me adjude,
caminhar, confesso agora.

Sempre assumo uma attitude
precavida: si estou fora,
temo o piso, arisco e rude;
si estou dentro, o que me escora.

Sensação tenho de estar,
sem appoio, em mau local
ou suspenso, num logar
escurissimo e abyssal!

Como, em sonho, a gente pisa
num boeiro ou lodaçal,
num buraco e affunda, bisa,
accordado: é tudo egual!


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Leonardo Chagas: Cosmos / Cacos (2018)

Leonardo Chagas é um poeta paulista. Transita diariamente sobre as linhas férreas desde as margens do rio Juquery às margens do rio Tietê. Disseminador da poética paranóica Beat-Surreal, lança seu primeiro livro Cosmos/ Cacos em 2018 aos 22 anos sob o signo do Cão.


foto: João Gabriel Villar da Cruz

Os poemas a seguir foram selecionados do seu livro de estreia Cosmos/ Cacos (Editora Primata, 2018), que acompanha também ilustrações de Lorena Romão.


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CANÇÃO DA EXPERIÊNCIA



a cidade do inverso 
o avesso do agouro 
o cansaço do verso 
o apelo, o abandono 

o sagrado, a sangria 
o castiço cachorro 
a Camisa de Vênus 
o perfume do Touro 

as libras do vento 
a virgem de ouro 
retiram do tygre 
o cordeiro tolo 

desfeitos os nós 


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Vinicius de Moraes (1913-1980): Trajetória poética

Um dos grandes artistas brasileiros do século XX, Vinicius de Moraes produziu vasta obra nos campos da literatura, do teatro, do cinema e da música. Publicou os livros de poesia O caminho para a distância (1933), Forma e exegese (1935), Ariana, a mulher (1936), Novos poemas (1938), Cinco elegias (1943), Poemas, sonetos e baladas (1946), Pátria minha (1949), Antologia poética (1954), Livro de sonetos (1957), Novos poemas II (1959), O mergulhador (1968) e A arca de noé (1970).




Nesta publicação, selecionamos poemas de toda a sua trajetória poética, contemplando diferentes fases e estilos.


SONETO DE INTIMIDADE


Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.

Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.

Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve

Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.


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Simone Brantes: Quase todas as noites (2016)

Simone Brantes nasceu em Nova Friburgo e vive no Rio de Janeiro desde 1980. Publicou o livro Pastilhas brancas (7Letras, 1999). Teve poemas incluídos em antologias como Roteiro da poesia brasileira anos 90 (Global, 2011) e A poesia andando: treze poetas no Brasil (Cotovia, 2008). Seus poemas e traduções de poesia foram publicados em jornais e revistas como O Globo (Página Risco), Revista Piauí, Inimigo Rumor, Poesia Sempre, Polichinello, Action Poétique e Lyrikvännen.


foto: Caio Meira


Os poemas a seguir foram selecionados do livro Quase todas as noites (7Letras, 2016).




POTE

Você acha que sexo é isso:
três
ou quatro
posições
e executá-las?
Você quer
muito
muito mesmo
que eu goze?
Então vamos por partes –
não se vai com tanta sede ao pote –
Primeiro: fabricar a sede
Segundo: fabricar o pote
Terceiro: deixar que a água jorre

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