Ademir Assunção (1961) é poeta e jornalista. Publicou 14 livros de poesia, contos, romance e jornalismo, entre eles A Voz do Ventríloquo (Prêmio Jabuti 2013), Pig Brother (finalista do Prêmio Jabuti 2016), Ninguém na Praia Brava, Adorável Criatura Frankenstein, Zona Branca, LSD Nô e Faróis no Caos. Tem poemas e contos traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, publicados nos EUA, Espanha, Argentina, México, Peru e Alemanha. Gravou os cds de poesia e música Viralatas de Córdoba e Rebelião na Zona Fantasma. Letrista de música popular, tem parcerias gravadas por Itamar Assumpção, Edvaldo Santana, Titane, Patrícia Amaral e Ney Matogrosso. Jornalista profissional há mais de três décadas, trabalhou como repórter e editor em grandes jornais e revistas do país, como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e Marie Claire. Idealizador e curador da exposição Leminski: 20 Anos em Outras Esferas, sobre a obra do poeta curitibano, no Instituto Itaú Cultural. É um dos editores da revista literária Coyote.
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Os poemas a seguir foram selecionadas do livro Risca faca (Selo Demônio Negro, 2021).
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CAVERNA
me tranquei na caverna com platão
pra enfrentar meus próprios males
não vi primata nem zapata nem dragão
ouvi o canto das sereias pelos bares
chamei pra briga o capeta de facão
senti o aço perfurando a carne mole
gritei bem alto um tremendo palavrão
chamei são jorge pra ajudar o filho pobre
daqui ninguém sai vivo nem com reza ou um milhão
um dia até o tolo acaba que descobre
perdi o medo de espelho e solidão
só levo a vida com a pele que me cobre
MONTANHAS SÃO FRIAS QUANTO A NOITE CAI
numa noite sem nome
a severa senhora de olhos escuros
toca-nos a face
com seus dedos de pelica
e vai arrancando, uma a uma,
todas as máscaras
que vestimos
e nessa hora sem hora
até o mais valente dos valentes
sente um tremor,
ainda que leve,
na mão que empunha o revólver
CHACAIS E HIENAS
a história sempre termina assim
os chacais – e também as hienas
saltam sobre o leão ferido
os chacais – e também as hienas
saltam sobre o leão ferido
para devorar sua carne – até o osso
os chacais – e também as hienas
saciam a fome atávica de séculos
e mostram os dentes pontiagudos
mostram os dentes pontiagudos
fiapos de carne entre os caninos
e riem seu riso de escárnios e ganância
e o riso de escárnio e ganância
é ouvido em toda a pradaria
toda a savana toda a cidade
as ovelhas balem nos currais os lobos
uivam nos cerrados as águias
apuram a visão no alto das árvores
o cheiro de carniça persiste por dias
vermes fermentam os restos de carne
e o couro do leão ferido se degrada
o vento crepita nos galhos secos
um silêncio – que não é paz nem trégua
se espalha pela pradaria savana cidade
a chuva não vem o sol é inclemente
a fome o escárnio a ganância persistem
e a história recomeça de novo e de novo
AUTO-RETRATO
talvez, uma noite
retorne
cansado das batalhas
e das festas
nada
nas mãos
muito pouco
nos bolsos
os olhos cheios
de imagens
os ouvidos loucos
de sons
shows dos stones
desenhos de escher
a pele tocada
por mulheres chocantes
vagabundo
cruzando estradas
ítacas
revisitadas
exausto das guerras
um dia, talvez
retorne
sem lenço
sem retoques
talhos
no rosto
cicatrizes
na pele da alma
a paisagem
se dissolvendo
velho, arqueado
o sapato
todo furado
e dois versos
na camiseta:
eis a vida
que não vendo
Conheço o Poeta Ademir Assunção Araraquara há muitos anos Não li mas recomendo Risca Faça…. diga-se de passagem foi um bairro em Araraquara sua terra natal….