Marina Ruivo: Leite de mulher (2021)

Marina Ruivo nasceu no Dia Internacional da Mulher de 1978, em São Paulo. Cursou Letras/Português na USP e lá defendeu o mestrado e o doutorado. Trabalhou como freelancer no mercado editorial e atualmente é professora universitária. Mantém o canal A barca Marina, no Youtube e publicou Nossa barca (Patuá, 2019) e Geração armada: literatura e resistência em Angola e no Brasil (Alameda Editorial/Fapesp, 2015).



Os poemas a seguir foram selecionados de seu novo livro Leite de mulher (Patuá, 2021).



A NATA

Um nada.
Mera nata no oceano que é a vaca.

Leite de mulher, se fervido, dá nata?
Não sei, mas do meu leite provei.
Gosto de rosa, de flor.
Gostei.

Uma flor do leite, a nata?
Ou um nada no oceano da vida,
esse éter que nunca fomos e pra onde
nem sabemos se vamos caminhar?

Um átimo, um suspiro.
Uma batida do coração que está na mão.

Nossa vida nata no mundo de leite.
Parindo, parindo, parindo.
Uma vaca, um leite.
Um nada,
Uma nata.


ESPERA

Quinze anos, eu criança por inteiro: 
a cara o corpo o tudo meu
de menina magra
desbotando sem deflorar o mundo, 
a melancolia inundava as manhãs.

No bar, professores, garotas, rapazes riam,
aparelhos escancarados.
Eu permanecia à sombra, nenhum olhar
para mim, nunca: eu era a cu-de-ferro, a feia
dos cabelos escorridos a esconder
o rosto aflito, inútil. 

Sedenta, queria a mudança,
mesmo com o escuro agigantado. 

Bebi devagar aquela piña colada
que se grudou na garganta
adocicando-a,
os sonhos sempre inconfessos. 

A culpa foi dela, hoje sei. 
Mas continuo esperando, ávida,  
mesmo sem a mochila colorida, 
nem vagar, a puro esmo,
pelas calçadas da Paulista. 



CAÇADAS

Sigo teu rastro-gazela, sou eu o guepardo 
e peço: pegue-me com as presas, 
articulações e nervos até que eu grite. 
Não, não deixo que fuja. 

Deixe-me as pernas abertas, o líquido jorrando,
é meu sangue, minha seiva,
estertor dos corpos perfeitos, 
olhos revirados na hora exata, 
sentidos derrotados e, ao voltar,  
o ganho de mais nitidez, mais amor. 

Tua avidez gruda na minha e me faz tua, 
vê como é boa a sede do corpo? 
Seu dorso vem e me pega solta, 
sou tua zebra no frio do mundo. 

Monte-me com amor, insensata posse, 
faz desse encontro a explosão luzidia, 
corpos gementes, almas, junção
de átomos até eu não saber: 
de mim, de ti, de nada da vida. 

Se eu soubesse que era sim, amor, 
se soubesse que podia ser assim… 



FLORA

Deixo crescer os pelos
E você me manda uma gravura:
Uma mulher – nua – e um gato.
Tem pelos a mulher,
pelos como eu.

Deixo crescer os pelos
porque o tempo passa.
As luzes piscam coloridas na varanda,
o Natal foi embora e estou aqui,
as gotas de chuva na janela,
a noite do meu apartamento.

Tenho pelos entre as pernas,
muitos, como todas as mulheres.

Meus pelos foram aparados por você,
meses, anos atrás.
Agora são somente meus.














27 64 83

Primata

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