Lígia Dabul: Garça Torta/Crooked Heron (2017)

Lígia Dabul nasceu e vive no Rio de Janeiro. Publicou os livros de poesia Som (Rio de Janeiro, Editora Bem-Te-Vi, 2005), Luces/Luzes (La Plata, Editora Universidad Nacional de La Plata, 2008), Nave (São Paulo, Lumme Editor, 2010), Garça Torta/Crooked Heron (Londres, Carnaval Press, 2017) e a plaquete Algo do Gênero (São Paulo, Arqueria Editorial, 2010). É professora colaboradora das Pós-Graduações em Sociologia e em Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas em antropologia e sociologia da arte.



Os poemas a seguir foram selecionados da obra Garça Torta/Crooked Heron (Londres, Carnaval Press, 2017), cuja ilustração de capa Maravilhas (2015) é de Lua Celina.



JARDIM DA SEREIA

Cravo as patas
no Jardim da Sereia.
Um inseto encontraria
fácil as esculturas

depois de quase ser levado
pelo vento frio e solidão
na Praça da República.

Se eu fosse um casal
gastava aqui – banco
azul infinito –
o resto da manhã.

Um pássaro, engolia
os confetes que sobraram
da festa da véspera
atraído por sementes
varridas ainda agora.

A fonte onde azulejos
luzem sob limo
talvez cante.



NOTURNO

Um jardim. Tanques
cheios no centro. Flores
amarelas florescendo até
a morte. Truques também
nas foliáceas perfeitas
que periantos engolem.
Os seios sugeridos nas
pontas das pétalas,
nas palavras soltas com
os nomes, amadurecidas,
adoçam o outono
dessa linha enquanto
no set escurece. A noite
persegue estrelas com
desejo e fúria: astros
acesos, estilhaços de tudo
como pólen, a flor preta
quase aberta para mim.



INVERNO

Debaixo da escada musgo e insetos
grudam em tocos quase secos.
O resto é fósforo
de árvore caída, risco de farpa
e queimadura até conseguir fogo
e acender de vez o corpo da casa.

Agora as folhas dormem
na luz fria. A madeira dos móveis,
imperceptível. Tépida a poesia.


LUME

Cumprimenta todas e encerra
a conversa. Cartas recolhidas.
Palavras acesas na visita de
adivinhação. Anotações,
notícias esquecidas: as coisas
são o que são sem que ensaiem
defesa. Mas com a luz o dobro
da manhã entra pela janela.


Primata

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