Rodrigo Lobo Damasceno nasceu em Feira de Santana (BA), em 1985, e vive em São Paulo desde 2011. Escreve poemas, contos, romances e ensaios. Às vezes, traduz. Junto com a artista Camila Hion, edita textos e imagens pelo selo treme~terra, onde atua também como artesão e feirante. Ao lado de Fabiano Calixto, Natália Agra e Tiago Guilherme Pinheiro, faz a revista de poesia Meteöro.
Os poemas a seguir foram selecionados do seu livro de estreia Casa do Norte (Corsário-Satã, 2020), disponível em pré-venda neste link.
BAR TORQUATO NETO
para Gustavo
à beira do parnaíba, lá pra cima,
um vampiro, sozinho e bêbado, passeia por teresina
– triste nosferatu
nordestino
afeito
ao trópico –
seu grito faz eco no espaço aberto do viaduto do chá
sabemos que chove
e em são paulo
ninguém te dá
boas-vindas
mas a revolução
se chama nordeste
e é feroz
e infinita –
no coração machucado da anarquia,
pra além do comércio das almas
dos corpos
das armas
das drogas,
um galo canta
e tece e incendeia o dia,
e nas calçadas – agora –
(à beira das ruas
dos bares
e das revoltas),
dentro de nós
há de ser
o lado
de fora
IMITAÇÃO DE GARY SNYDER
sou um homem desesperado andando à margem do rio Parnaíba
Torquato Neto
Entrei na Casa do Norte
Na Santa Cecília, São Paulo.
Virei seis doses de Abaíra
e quatro cascos de Brahma.
Prendi meus dedos na barba.
Anunciei: vou parar de comer água.
Dois sergipanos faziam graça
na mesa ao lado,
Uma moça (ou onça) disse dos seus
sotaques: de onde
vocês são?
Paraíba? Maranhão?
A dupla brega tocava
“Eu não sou cachorro não”
E na canção seguinte
um casal (dois cabras) começou a dançar.
Se abraçavam feito velhos
com saudades da jovem
guarda. Lembrei de quando
quase fui a Petrolina, PE,
e dos bares de Lençóis, Chapada.
Aquela alegria jeitosa e a dureza –
Nordeste – aquela estupidez.
Por pouco não te amei outra vez.
Parti – nos ombros da breja e da BR: estradas
esburacadas debaixo das velhas e duras
estrelas: Nordeste o dia inteiro.
À beira do Subaé (rio Pinheiros)
voltei a mim mesmo,
ao trabalho verdadeiro, para
“O que deve ser feito”.
ARS CATINGUEIRA
1.
sertão é uma palavra
da língua portuguesa
a cujo enxurro (quase
impossível
) desvio –
sertão é uma palavra
a ser banida
do título do livro
do release do filme
dos lambes nos postes da vila madalena
da boca dos atores de teatro com sotaque carioca
da propaganda política
da canção repetida no rádio
das exposições cheirando a dinheiro
do nome fantasia da empresa
da cidade cenográfica da novela
para não depositar
aluvião (
raro)
aqui
nesta vereda.
2.
súbito
os oprimidos
pegam pedras
parabelos
pregam peças
estralam
reluzem
no meio da terra velha
erguem
um prédio.
3.
sertão é uma palavra
ao sol da cidade e ao sal das praias.
ZONA SUL
Eu vou-me embora, vou-me embora,
Fazer weekend em Santo Amaro
Mário de Andrade
Eu trabalho o ano inteiro
Na estiva de São Paulo
Só pra passar fevereiro em Santo Amaro
Samba de roda tradicional
1. f.c.
desde que desisti
do sol
(astro
alto
claro
pra
caralho)
as asas roubadas
(nada
herdado)
de ícaro me caem
(ao
contrário)
melhor:
novo baiano voando baixo por interlagos
2. sabotage (brooklin)
cada verso
escrito
espraia
pr’além
da
espraiada
3. samba de roda (samba santamarense)
vou-me embora pra santo amaro
fazer weekend
com mário –
e lá, sem rei
nem lei
feliz
distante da estiva
de são paulo
distante da estátua
de borba gato
comerei amendoim
no largo 13
de maio