CARVALHO JUNIOR (Francisco de Assis Carvalho da Silva Junior, Caxias/MA, 1985). Professor, ativista cultural, gestor público e poeta brasileiro. Vencedor do Troféu Nauro Machado, categoria poema, no I Festival Maranhense de Conto e Poesia (Universidade Estadual do Maranhão, 2015). Publicou os livros de poemas Mulheres de Carvalho (Café & Lápis, São Luís, 2011), A Rua do Sol e da Lua (Scortecci, São Paulo, 2013), Dança dos dísticos (Editora Patuá, São Paulo, 2014), No alto da ladeira de pedra(Editora Patuá, São Paulo, 2017) e O homem-tijubina & outras cipoadas entre as folhagens da malícia (Editora Patuá, São Paulo, 2019). Organizou a antologia Babaçu Lâmina – 39 poemas (Editora Patuá, São Paulo, 2019), tendo organizado, também, anteriormente, em parcerias, a Antologia Poetas Locais Integrantes da Noite Universal (e-book, 2019, org. com Ricardo Leão) e a antologia/caderno de poemas Quibano: 15 poetas do Maranhão (Appaloosa Books, 2017, org. com Antonio Aílton). Membro da Academia Caxiense de Letras e da ASLEAMA, pesquisa vida e obra do poeta Déo Silva. Realiza, com algumas parcerias, o sarau/encontro de poesia Na Pele da Palavra e faz parte dos coletivos de autores Academia Fantaxma e Os Integrantes da Noite. Participou com o poema Abrigos da Exposição POESIA AGORA (Itaú Cultural, Rio de Janeiro, 2017). Foi o curador da Exposição Sementes de Poesia, em Caxias/MA, no espaço do Caxias Shopping Center (2018). Edita a página de poesia Quatetê. Tem poemas publicados em jornais, antologias literárias e revistas do Brasil e do exterior. Possui poema vertido para o espanhol pelo poeta Antonio Torres.
Os poemas a seguir foram selecionados da obra O homem-tijubina & outras cipoadas entre as folhagens da malícia (Patuá, 2019).
O HOMEM-TIJUBINA (fragmentos)
ho.mem: s. m. 1. BIOL. Mamífero da ordem dos primatas, do gênero Homo, da espécie Homo sapiens, de posição ereta e mãos preênseis, com atividade cerebral inteligente, e programado para produzir linguagem articulada. [http:// michaelis.uol.com.br]
ti.ju.bi.na: s. f. || (Bras.) nome vulgar de umapequena lagartixa. || (Ceará) (pop.) O mesmo que lambedeira. [http://www. aulete.com.br/tijubina]; etimologia: tupi: teiu-ombý [http:// michaelis.uol.com.br].
I.
o homem-tijubina tem um paladar exigente. não digere o ovo do óbvio. somente silêncios de pássaros lhe passam pelos gorgomilos. quando o indagam a respeito desta passagem, diz que o outro lado da vida está no verso. não tem idade, apenas caminha. às vezes para frente quase sempre para o fundo do poço que guarda as lágrimas dos seus ancestrais. é um composto de cortes de unhas-de-gato e incoerências.
II.
o homem-tijubina vive, se dobra, (des)dobra e recorta como um zine. camelô do calçadão da afonso cunha, pede esmolas como um poeta, é este azulejo quebrado nas tuas mãos. usa colar de hippie, pulseira de sementes antiquebranto, antiódio e antiamor ao mesmo passo e no mesmo cortar de pulso. é poeira invisível nos escombros do cassino caxiense, fôlego e asfixia nos vivemorres do rio itapecuru. na esperança de novos dilúvios, ele recita cecília: a chuva é a música de um poema de verlaine.
III.
para o homem-tijubina a infância é como uma ferida sem costura. diz que carrega suas corcundas hereditárias pela força das ladeiras de pedras brancas em que um dia correu com os bolsos cheios de pitombas, penas de passarinhos e sonhos acesos dentro de lampiões improvisados. quando tomado de ira do mundo, enfia o dedo no cu das não levezas do cotidiano e brada contra a apatia dos fantasmas bípedes.
X.
quando o homem-tijubina estende as chagas sobre a música das folhas, preenche-se de fôlego para seguir com o cabresto aramado da sandália bailarina de cipó, improvisando [à sombra das quatetês sibilinas] o escorpião de higuita. o sol lhe doura a tatuagem leite castanha de caju com o nome de uma lepidóptera mítica. um talo de coco numa mão, uma xícara de café de tucum na outra e cismas incontáveis sob o cofo sarapintado da pele.
ARARUTA
somos feitos
das mesmas fomes
dos nossos pais,
das mesmas lenhas
que os guardaram
do frio súbito das noites
caseadeiras de exílios.
de vez em quando,
ouço de longe
a voz da lágrima
do meu pai
e de minha mãe.
um quintal de ararutas
nasce dentro
do chão cansado
dos meus olhos.
GRAFITE
para teo adorno
a utopia escala o morro
e salta da asa
de um sabiá morto
sobre a gravidade redesenhada
por um menino
lápis de luz.
GATO-DO-MATO
não se domestica um poeta.
o poeta é um gato-do-mato
perseguindo a cauda
do vento selvagem.
PÍFARO
evita
o salto
suicida
de Safo,
não a minha sombra morta
dentro do papiro-capemba,
na manhã grave ferida
de faca e ferrugem,
a flauta do índio
no meio do rio.
:
funda o pífaro de taboca
de
um gamela
treze aldeias de sopro
e milagre nos co(r)pos
de flores
que saram os acessos
de flechas
nos meus calcanhares.
Insatisfeito com a mesmice, autocrítico, vem dando saltos de qualidade a cada obra que lança ou projeta. Um poeta telúrico, lúdico, crítico, que representa com vigor a atual poesia de umbigo maranhense.