Ruy Proença: Caçambas (2015)

Ruy Proença nasceu em 9 de janeiro de 1957, na cidade de São Paulo. Participou de diversas antologias de poesia, entre as quais se destacam: Anthologie de la poésie brésilienne (Chandeigne, França, 1998), Pindorama: 30 poetas de Brasil (Revista Tsé-Tsé, nº 7/8, Argentina, 2000), Poesia brasileira do século XX: dos modernistas à actualidade (Antígona, Portugal, 2002), New Brazilian and American Poetry (Revista Rattapallax, nº 9, EUA, 2003), Antologia comentada da poesia brasileira do século 21 (Publifolha, 2006), Traçados diversos: uma antologia da poesia contemporânea (organização de Adilson Miguel, Scipione, 2009) e Roteiro da poesia brasileira: anos 80 (organização de Ricardo Vieira de Lima, Global, 2010). Traduziu Boris Vian: poemas e canções (coletânea da qual foi também organizador, Nankin, 2001), Isto é um poema que cura os peixes, de Jean-Pierre Siméon (Edições SM, 2007) e Histórias verídicas, de Paol Keineg (Dobra, 2014). É autor dos livros de poesia Pequenos séculos (Klaxon, 1985), A lua investirá com seus chifres (Giordano, 1996), Como um dia come o outro (Nankin, 1999), Visão do térreo (Editora 34, 2007), Caçambas (Editora 34, 2015) e dos poemas infantojuvenis de Coisas daqui (Edições SM, 2007).

 

 

Os poemas a seguir foram selecionados do livro Caçambas (Editora 34, 2015).

 

 

ZONA DE CONFORTO

 

se você
viu um prego
em minha testa

e acha
que isso faz
todo o sentido

então viver
é menos perigoso
do que eu imaginava

vamos
pendure
um quadro

 

 

CÉREBRO

 

se caminho pela trilha
das ilhas
nos arquipélagos

se minha vida
é povoada de
sereias
polifemos

se desço ao
sulfuroso banho
ou à seção
de degolados
no quinto subsolo

se jogo a rede
sobre as estrelas
e depois
as devoro

se as garras
dos pterodátilos
durante a noite
rasgam
carnavalizam
minhas sinapses

se
estimulada
pelo fole
de meus pulmões
a extrusão
de meus neurônios
se assemelha
à ira dos vulcões

se minhas unhas
de amianto
escarificam
a chama o algodão
do último
e mais violento
amor

cérebro que só serviu
para me prever
depois de morto

 

CAPIM

 

abro a primeira porta
e vejo mais três portas
abro uma
e vejo mais duas
abro outra
e vejo mais cinco

um dia abrirei uma porta
que dê em
colina pasto trilha

uma moça virá
carregando uma cesta de aspargos frescos
e me oferecerá

e comerei ali mesmo
porque estou com fome

e o humano terá luzido
natural e sagrado
como o capim

 

RELÓGIO NO AQUÁRIO

 

quero passar a vida
num cartório –
este
por exemplo

aqui me permitem
não fazer
o que importa
e mais

acompanhar a mosca
que se desloca
do lustre
para a fórmica do balcão

do balcão
para um ponto preciso
na parede

as pessoas têm muita pressa
são ansiosas

não despregam o olho
do painel eletrônico –
anseiam pelo alarme
com seu número

a vida passa
muito rápido

não aqui
neste aquário
seco

 

LADO C

 

que grito
trilho
águia
crise

viaja
dança
comigo

o vinil
da Via
Láctea

e me lança
no umbigo
sumidouro

e me mostra
o outro lado
dessa
moeda?

 

 

Primata

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