Júlia Lelli. Artista. Filha da terra. Formada em audiovisual, fotógrafa, cinéfila, poeta e caminhante.
Os poemas a seguir foram selecionadas do livro Pequena Morte (Editora Primata, 2020), disponível para aquisição neste link.
.
A vida passa por mim
A vida penetra em mim
Corta a pele
rasga o músculo
Dói
Dói um bocado
A vida se ajeita em mim
como um gato que ronrona
Faz carícias em meu ventre
brinca com meus dedos
Vez ou outra
a vida é doce
RIO DAS MORTES
quem morre?
Aqui
Quais pessoas já deixaram seus corpos inertes
boiando nesse rio?
Quando eu morrer
quero ser levada por um rio
Quero chegar flutuando
até seu leito e lá descansar
banhada em água doce
Eu vi no mapa
Rio das Mortes
A cartografia prevê muita coisa
Mas alguns acontecimentos
escapam aos meridianos
A morte é uma dessas coisas que escapam
Ela escapa
Mas eu a fisguei
Queria que ela levasse algo embora
Mas queria essa coisa morresse docemente
Com calma
No tempo dela
Que se deitasse confortavelmente no leito do rio
e esperasse o seu momento
Então eu vi minha sombra projetada
nas águas escuras do rio
Como que num prenúncio de que teria
que olhar para ela muitas vezes ainda
Até gravar sua forma
Seu contorno
Suas entranhas
Morrer num rio é bonito
Mas é turbulento
Os rios de Minas têm muita lama
Parecem uma camada de terra
se movendo
desesperadamente
Como uma avalanche cheia de detritos
Atritos
De galhos e pedaços de árvores
Mortas
E nessa época de chuvas
os rios ficam violentos
sem motivo aparente
O sol a pino
e o rio forte
Correndo rápido
Desesperado
Eu não sei onde ele deságua
Se soubesse
Faria diferença?
.
Ando VIOLENTA
Revoltosa
Desse mundo todo
Em guerra
Em morte
Em sangue
Ando VIOLENTA
Feia
King Kong
Selvática
Aquela que aprendeu
Mas já se esqueceu
De como chorar contido
Aquela que
AGORA
Só faz gritar
O que antes sussurrava
.
Estrada. Noite 1. Letra torta, pois falta luz.
Não sei nomear o que sinto, mas acho que isso é o mais próximo de um nascimento que já estive.
Acho que os ímpetos são começos de partos.
Grande Sertão,
Grande Sertão!
O Sertão é grande demais aqui dentro.
A gente se guia pela luz que produz. Nada surge de fora que já não esteja dentro.