Jade Luísa nasceu em Natal (RN) e vive em Brasília. Estuda Letras na UnB, é atriz e escreve dramaturgia para o Coletivo de Teatro Enleio. É autora do livro O olho esquerdo da lua (Penalux, 2021) e integra as antologias As luas: o amor e suas variações (Lumme, 2020) e No meio do fim do mundo (Elã, 2022).
Os poemas a seguir foram selecionados do livro O olho esquerdo da lua (Penalux, 2021).
OLHO DA SUCURI
ao poeta Claudio Daniel
Fogo no centro do corpo
Corpo na ponta da bala
Água na bala do corpo
Bicho na fome do fogo
Corpo na ponta da faca
Fome na água do corpo
Morte no olho do bicho
Bicho na fome do povo.
NOVE INSTANTES E UM DEPOIS
“Enquanto te chupo me vêm instantes do que seria o morrer”
Hilda Hilst
V.
um par de dedos explora a buceta
viela-vereda-ruína
e sai vermelho
como se acabasse de colher amoras do pé.
VI.
colarinho delineado no lençol
mancha de sangue ainda quente sobrevive
e tinge também meu pescoço, quando estava entre as mãos
não há silêncio, mulheres
jamais se amaram em silêncio – talvez em cochichos já
que é tão gostosa a palavra-pequena no cangote,
mas o grito
suas mãos envolvem minha garganta
convite ao grito.
VII.
conheço, como ninguém,
o rascunho do mundo pelos seus pentelhos.
ECO DE LUSCO-FUSCO
Escuto a água arranhando o vidro
suas unhas rascunham calmaria e flores
esqueço como a água sente a pele
esqueço como a água rasga a pele
Os dias arranham o vidro
esfolam as flores que a água rascunhou
dissipam a face que a noite tingiu
o fogo a guerra os mortos, já não os sinto
eles ainda vivem sob os sulcos do asfalto
mas eu, tingida de noite, esqueço.