Wagner Miranda é formado em Letras pela PUC/SP e publicou o livro de poesia Adeus do Porto (Dobra Editorial) em 2013. Trabalha com tradução e administra o brincando de deus, que contém algumas de suas traduções para poemas e letras de músicas, além de uma seção multimídia com videopoemas em parceria com Marcelo Badari e Jeanine Will, áudios de leituras, etc.
SESSION
o estojo aberto sobre a mesa
companhia inseparável da cerveja,
stout escura como a noite que uiva lá fora
o veludo à mostra,
escarlate como os vasos
que irrigam nosso interior com vida
o breu repousa sobre o verniz
do corpo moldado com esmero
a coroa que o clássico renega
1, 2,3
quase imperceptível tap dance
sob a mesa, sobre a madeira ainda viva
suas mãos transpiram notas
sorrisos ofuscam a luz baixa
a disritmia não é evidente
a precisão é indiferente
diante dos rostos iluminados
pela reverberação do seu amor,
que vibra nas cordas resilientes
do seu fiel companheiro
você aprende algo que a teoria não te ensinou
os aplausos também se alimentam
de alma
RUÍDO BRANCO
incrível é poder dançar
na escuridão
sem deixar de sonhar em cores
diante do ruído branco
da solidão
ALÉM-MAR
parte sóbrio, calado e solene
no encalço da felicidade iminente
não leva na bagagem o peso ou a idade
da saudade
eleva sua fronte, sereno
e não teme a força da chuva
nem a vastidão do horizonte,
um mistério suspenso
chora por saber do amanhã,
de modo tão intenso
quisera antes ter a sorte de saber
que o Atlântico era tão imenso
O MENINO
me ocupava em caçar letras
como se fossem borboletas
algumas distantes, outras familiares
como as covinhas, o amor pelos mares
e o sangue impuro de não sei que pai
herdei
me ocupava em caçar pontos
como se fossem palavras
que pudesse ligar
para me levar
ao horizonte cansado
de tantas fantasias
abrigar
quem ali vivia?
eu passei a me perguntar
houve chacina, eu sei
mas esta palavra ainda não existia
quando chorei ao ver estrelas aos meus pés
orei, entreguei minha juventude
às folhas de um passado em branco
e abraçado pelo frio reconfortante das ondas
amei, dei forma às palavras
que via em você
até enfim
adormecer
NUDE
breathe, now slowly
calm, undeniably undressed
before the welling eyes
that follow the killer
leaving the scene, unpunished
breathe in, avoid the feeling
for those eyes fear to solidify
the emotion that runs free
down your cheeks is true
reaching the glaciation point
crystalized indifference
crystallized dew of desire
on your hill-shaped breasts
to bleed or not to breathe
your words resonate in my head
while I collect what’s left
from the storm
from your tears, the salinity
from the sins, the secrecy
hands blindly groping for meaning
in the black ocean of the night
in the thundering absence of love
the crucial moment the anguish
of the extinct fear puts its arms
around my bare skin
the candidness of love
assaults the hollowness of being
united we are, in what we are made of
you close your eyes, the spotlight dies
and it’s finally time to rest
with the compassionate sun
twinkling right above your head
the acting is over
then I open the curtains of confusion
just to find your closed eyelids
bare of the colours Cleopatra once loved
sweetly dreaming, so life-affirming
the acting is over
RUN
I’ve been chasing the wounds
engraved by time
on my fragile, saltier-than-earth
pale skin
I sabotage my truth
to the face of your love
searching for the shelter
offered only by the darkest hours
I repel
the words
of your chastened
perfection
I find protection
from the world of words
pouring from the heights
under the umbrella of ignorance
I throw your heart on fire
towards the cold waters of my disbelief
as to harden it against
the world’s evilness including mine
I hope you find truth
in the poetry of chance
which I damn for intertwining our paths
To my stony-heart dismay