Juliana Ramos escreve, revisa e traduz. É graduada em Letras (português e francês) pela Universidade de São Paulo e cursou os Programas Formativo e de Aprimoramento em Tradução Literária da Casa Guilherme de Almeida. É autora do livro No coração fosco da cidade (Impressões de Minas, 2018) e integra a antologia Corpo de terra (Quelônio, 2021).
Os poemas a seguir foram selecionados do livro No coração fosco da cidade (Impressões de Minas, 2018).
PONTO DE PARTIDA
caminho por meu bairro como quem viaja
como quem desconhece o que vê
ou esquece o que conhecia
coloco-me no centro de tudo
e passando passo despercebida
sou a caminhante contemplativa
que se deslumbra mas não se adequa
e cada ângulo ou detalhe novo
provocam a memória do que nunca vi
MANHÃ TRANSLÚCIDA
A luz das sete horas revela e ofusca. Cria camadas opacas
que se deitam sobre as casas do meu bairro, mergulhando
os olhos sonolentos no despertar do absurdo. É como se a
insônia continuasse para além da cama (ou foi a rua que
penetrou o quarto na noite anterior?).
Quando o ônibus faz a curva e revela toda a periferia, parece
que o céu jamais foi azul. Parece que entre o dia e a noite
há um espaço e um tempo secretos, onde a luz impossível
nasce e se acumula nos corpos distraídos.
ACIDENTE GEOGRÁFICO
a grande são paulo é
um grande acidente
geográfico.
topografia inversa
de um relevo aéreo:
as antenas, o cimo dos prédios,
o precipício entre
as gentes.
apenas percebo
as variações sob
os meus pés cansados, sob
os olhos que se deitam sob
as pálpebras depois de
tanto perscrutar o enigma
do horizonte.
VISTA PARONÂMICA
é uma contemplação insolente
aquela que revira os mapas
do alto dos mirantes.
(busco com frequência
o pico do jaraguá,
o oitavo andar do museu,
o antigo edifício do centro.)
o olho, sozinho,
domina a cidade que sempre
dominou o corpo.
meditação calma e vingativa
sobre todas as coisas concretas:
torno tudo horizontal
e refaço o desenho urbano
com minha própria natureza.