Lilian Sais é escritora, pesquisadora e tradutora de grego antigo. Doutora em Letras, é uma das fundadoras da plataforma de ensino e difusão cultural Literartéria e coeditora da Revista Libertinagem, de arte e literatura erótica. Possui publicações virtuais e impressas no Brasil e em Portugal. Em 2018 lançou a plaquete de poemas Passo imóvel pela Editora Cozinha Experimental. acúmulo (Patuá, 2018) é seu primeiro livro.
Os poemas a seguir foram selecionados do livro acúmulo (Patuá, 2018).
ROUPAS NO CHÃO
(para Jamesson Buarque)
o pássaro voa até a janela.
saiu do meu ouvido,
mas as asas permanecem
batendo dentro da
cabeça.
(na luta
a luta
cansa.)
o peso é impossível e
há meses não sangro
como se deve,
pra fora.
– estou grávida
de abismo.
.
o acúmulo
de lutos & vícios
me trouxe
não saúde
mas humildade:
nunca viver
com a arrogância
de quem diz
“isso eu faço
amanhã”
.
(aceita, esse choro nem é fraqueza,
mas também não me peça
pra ser feliz de domingo, gostar de quatro
de novembro, colocar flor em vaso,
arrumar o armário, não têm problema,
não entender é mais completo,
eu sei,
mas aceita, que às vezes nem é tristeza, é só
cansaço, só também não me peça
pra seguir a numeração
das páginas, colocar título
em poema, viver assim,
como se adoçar café
fizesse sentido)
ORAÇÃO
chances são
de ser erro
a insistência,
corte de navalha
a golpear veredas
com palavras.
para dor crua
não há cura,
redenção apenas
por encanto
ou distração.
peço
de trago em trago
que entre
potência e exaustão
eu ainda seja
possível.
NEGAÇÃO
mais ou menos quando eu disse
– te amo
e tive como resposta
– hoje vou cortar as unhas
me ocorreu como
é excessivo o branco
do teu figurino,
como caberia bem
ali, três dedos
abaixo da gola,
uma mancha
de café amanhecido
ou placenta